Saio de casa com a lembrança da história da Mena (escrevi sobre ela aqui: http://anitalikecoentros.blogspot.pt/), que vi na última vez na Segurança Social. Evitei lá ir mas tanto tentei facilitar a minha vida e fazer tudo como deve ser (sempre o mesmo erro!) que acabei por ter que entregar pessoalmente uma carrada de papéis.
Tudo continua igual, respira-se ainda um ar de enterro anunciado ou o luto de quem já o fez. Não sei mesmo se alguns não vão morrendo por ali. Desta vez não me apanham como da primeira, pensei: tenho aqui um bebé na barriga que me alivia a tensão e, além disso, trouxe o valter hugo mãe na mala, meus caros!
Penso isto e olho para o lado e vejo uma mãe com um ovinho, tapado com a fraldinha branca. Tinha a máscara que todas as mulheres põem quando estão à espera, mas não lhe ouvi a voz de protesto. Pensei: não há atendimento prioritário aqui? Se não há para ela, também não há para mim, bem mas eu tenho o valter hugo mãe na mala e um bebé ainda na barriga. E mesmo que o meu bebé tenha fome, trouxe a banana, mais uma arma que vou utilizar para aliviar o stress, caso a espera seja longa. Não quero pôr a máscara igual à daquela senhora. Até porque eu tenho um livro.
Ao meu lado senta-se a Marília. Já foi a casa estender a roupa, preparar as bifanas de fricassé para o almoço, que o filho tem sempre pressa, arrumou a sapatada espalhada pelo chão no dia anterior e passou no Lidl para ver de a graxa preta já tinha chegado. Pergunta-me se está a ver bem o número no ecrán. A senha A está no 49, não está? Está sim, respondo. Ainda não andou nada desde que fui a casa! Faço um ar de "xiiiii, a sério?" e puxo o assunto "então e aquela mãe que ali está desde que cheguei? Não a atendem primeiro do que os outros?".
Chega a minha vez e avio-me. Calhou-me uma simpática e, por isso, converso. Converso e queixo-me, embalada pelas dicas que a funcionária me vai dando acerca da falibilidade "dos serviços" que se aconchegam neste "país que, infelizmente, ...". Chegamos à conclusão que "isto anda que não se pode" mas, o mais importante, que daqui a um mês pode ser que tenha resposta quanto à atribuição do subsídio. Como coloquei uma pergunta ao lado, tenho que tirar nova senha com a colega. "Peça a senha O, como está grávida, tem atendimento prioritário...". Assim faço, assim me sento, assim tiro o livro, assim estou a ouvir e a ver os outros, assim estou deliciada com o meu livro.
O Fábio - terá um ano e meio, dois? - decide dançar ao som do toque de um telemóvel e ganha os sorrisos da plateia mais próxima. À excepção do segurança, assumidamente da família extensa do "todos me devem e ninguém me paga!". Talvez aquela frescura tenha lembrado a alguns que por ali esperavam que há mais vida para além dos funerais, os que teremos que fazer, os que já foram feitos e o nosso. Será que o Fábio conseguiu isso com alguém? Apeteceu-me lavantar-me da cadeira, pedir a atenção de todos e perguntar. Depois, mandava bater palmas ao menino que conseguiu a proeza de suspender os cinzentos de cada um, por uns breves minutos.
Desisto de esperar pela minha vez naquela fila especial dos prioritários. Não queria colocar a máscara igual à daquela senhora. Ninguém chamava ninguém naquela fila! E eu tinha uma bebé na barriga, o valter na mala e a banana, mas não queria ver a hora do almoço chegar no meio de tantas máscaras. Nem com fome e calor. Fui-me embora. Logo resolvo o que não é prioritário. Adeus Fábio, Adeus Marília, sejam felizes.
De regresso a casa, o caminho torna-se solidário e, sem exigências, deixa-me continuar embrenhada nos meus pensamentos. Que triste está o meu país, onde se respira um ar fúnebre numa instituição onde deveria haver esperança. Que triste é perceber que os competentes e zelosos não estão a sair vencedores. Instalou-se a certeza de que nada funciona, não estamos a saber cuidar de nós, dos vizinhos, dos outros. Ali, impera o espírito do tudo é lento, o profissionalismo foi comprar cigarros e não voltou e olhe, eu por acaso escapo-me mas não me dê muita importância, sim?
Está triste o meu país.
O que me vale é a minha bebé que cresce na barriga e o meu livro do valter hugo mãe.
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