terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Então era isso...



Às vezes os dias acordam cinzentos. Adormecem e acordam da mesma maneira. 
Passam-se semanas e as cores pouco ou nada mudam. 

Tantas vezes estamos com o saco tão cheio que nem sabemos quando começou o dito cujo a pesar. Nem exactamente porquê. Nem como é que o despejamos. Começamos por onde?
E a vontade de emigrar um pouco. Umas horinhas por dia que sejam!

Nem sempre sabemos entender o que vai cá dentro. Se calhar tem mesmo que ser assim.

Quando gargalhei, no meio das nossas conversas tolas, percebi que, então era isso, sentia falta de gargalhar.
Quando ouvi tocar o despertador da "papinha", senti que, então era isso, fazia-me falta perder a noção do tempo.
Quando respirei fundo, cansada da conversa, percebi que, então também era isso,  fazia-me falta conversar e estafar os "outros" com a minha conversa... 
Quando estávamos todos na sala a sorrir com as bolhinhas que a minha bebé faz, como quem alcançou algo nunca visto, percebi que, então também era isso, fazia-me falta partilhar a minha filha com vocês e perceber como também gostam dela.
Quando pus os olhos no meu mar, nas minhas ondas, nas minhas dunas, senti que sim, era muito isso, sentia falta da minha costa, do meu ar, deste cheiro... 
Quando pusemos o biberon da Mel a arrefecer com a brisa do mar no capot do carro, percebi que sim, é mesmo isto, as rotinas tiveram que mudar, nunca mais voltam a ser o que eram, se calhar há um certo caos que tão cedo não se pisga lá de casa, mas há sempre um escape. Tem que haver.

Então era isso. 
Andava a precisar de praia.
E de vos absorver.
E de não fazer comida.
E de experimentar a Yammi da minha mãe.
E de me rir contigo, sem ser à pressa.
E de estender as tuas roupinhas encardidas de fruta, no estendal virado para o meu pinhal.

>3 


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Com licença

Com licença. E olhou para a plateia escura, chorosa, pensativa, silenciosa, abrigada debaixo de guarda-chuvas, também eles tristes e molhados. 
Sem ninguém dizer nada, percebeu que havia ordem para prosseguir. E começou a tapar o caixão. Pazada atrás de pazada. Terra com terra, com terra. A dada altura, um montinho já moldado. As flores por cima, as despedidas, os lamentos nas cabeças de cada um. Os lamentos na cabeça de cada um.

Todos têm lamentos para lamentar num funeral. E, às tantas, muitos caem na tentação: choram o morto, sim, o que acaba de chegar (ou de partir?) à terra e, quando dão por eles, choram os outros que para lá já foram descansar, enganados pela vida. Morto puxa morto. Tristeza puxa tristeza.
E quando ele disse "com licença", sentimo-nos todos autorizados.

Bolas, quem morre merece um choro só para si.

Ai que isto funciona como um gatilho. Já chorei por outra pessoa. Bolas. Mas cada morto merece um choro só para si, sem dúvida. Uma cabeça cheia de si, da sua vida, do que fez e do que não fez. Ou então, só a lembrança da sua cara. Ou então, só a lembrança daquele beijo na praia, daquele sorriso quando venceu, daquele gesto de amor quando... Cada morto merece, na hora da partida, cabeças cheias de si. E um chorinho só para si.

Mas isto tudo, tão chuvoso, tão silencioso, tão sentido, dispara-nos directo no coração. Ai que isto funciona como um gatilho. Desculpem todos aqueles que já morreram e que não puderam gozar da exclusividade merecida. Todo o morto merece um chorinho só para si. E uma cabeça cheia de si. 

Merece os passos sem som que são dados no último adeus. Merece os soluços calados. As lágrimas sem pernas para correr. A sensação de vazio que fica. Quem morreu há-de merecer a exclusividade dos corações partidos. Ai sim. Se ainda houver essa capacidade, perdoem os mortos que tiveram que partilhar, na sua partida (para onde, para onde?), o choro com outro alguém, algures dentro do coração de alguns dos presentes da plateia escura, chorosa, pensativa, silenciosa, abrigada debaixo de guarda-chuvas, também eles tristes e molhados.

Todas as pessoas merecem um chorinho só para si. 

Um beijinho.



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Piscina de sopa

Se há altura da vida em que os clichés se aplicam, tenho para mim, que a maternidade é uma delas. Tornamo-nos iguais nesta coisa de amar os filhos, de os admirar, de lhes querermos bem... e de gostarmos de os ver comer! Ó felicidade, ver um filho comer.

Escrevo isto e lembro-me imediatamente da minha avó:
"Vai mais uma carcacinha filha? Hum, aí em cima do bifinho, vá lá...!". Ó avó, um beijinho.

É fácil prever que, quando acordo momentaneamente do meu transe alimentar - colher com sopa, boca da Inês, colher com fruta, boca da Inês - dou por mim a fazer boquinhas, aqueles que imitam o acto de comer, como quem ajuda a comida a ir para dentro, numa fase em que os bebés só sabem pôr tudo cá para fora!
Vem-me à ideia que também não será mau fazer uma sessão fotográfica centrada nas expressões de amor, entusiasmo, desespero e expectativa que os pais fazem quando estão a alimentar a sua cria. Acho que deve ser giro, mas tenho algum medo do resultado :)

Hoje a coisa atingiu níveis interessantes. O acto de comer sólidos já vai ganhando ritual, por isso, na ausência de um babete plástico-vestido que vede bem um pescoço pequenino (que raio, ainda não se lembraram de os fazer mais pequenos ou eu é que ainda não os encontrei à venda?), ato uma fralda de pano e depois o babete plastificado. Depois, a coisa dá-se ao ritmo que a Inês quer: rapidinho. Para não falhar - não vá ela desistir e começar a chorar e ficar à meia tripa, oh my God! -, acelero o ritmo, satisfeita da vida ao ver a sopa desaparecer. 

O pior? O pior foi quando percebi que a sopa desapareceu não só para a boca, nem só para as bochechas e nariz, mas também para debaixo do queixo, onde formou uma piscina. Olímpica!
Bem, não há tempo a perder, pensei. O stock tem que ser reposto na colher! Uma vez vai da tigelinha, outra vez abasteço por baixo do queixo. 

Conclusão: com duas fontes de abastecimento, a coisa até teve mais sucesso :)
Pior são os efeitos colaterais.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

SOPA - Aquele momento

Chovia, mas não resisti e fui à fruta, em vez de a levar logo para o aconchego da casa. Saí da pediatra cheia: a minha menina acabava de ganhar permissão para começar a comer sopa e fruta!
Oh felicidade, como tu andas vestida! 
Sempre soube que desejaria esta fase, mais do que outras mães, talvez. Pelo menos mais do que aquelas que amamentaram. Sabia que chegada esta altura iria sentir que, agora sim, ia compensar a minha boneca pelo leite materno que não lhe pude dar. As sopas não podem sair das mamas, só do tacho! :)  Sendo assim, garanto que o meu tacho é o mais cheio de vitaminas, de carinho, de cuidados e de sabores! Pelo menos agora estamos de igual de para igual, sem remorsos. Ponto final.

Para além deste secreto (pouco) pensamento de mãe, há muitas outras coisas que fazem com que a primeira sopa seja UM MOMENTO. É aliciante poder variar a alimentação. "Dona Ana, estas compras hoje são especiaiiiiissss! São coisinhas para a sopa da minha meninaaaa!". Sorri e, de repente, toda a gente cruzava conversas sobre as sopas dos filhos e dos netos na frutaria. 

A minha comia feijão, veja lá!
Feijão, tão cedo?Credo!
Olhe, ai é para esta menina linda aqui? Então, tome lá menina! (talhada de abóbora enfiada no saco!) E qualquer dia ela que me venha pedir uma "manana", que eu 'dou-le'!

Adoro estas tretas. Já em casa, fotografei batatas, cebolas, cenouras, pêras e maçãs, para anunciar ao mundo virtual: Atenção pessoas, a minha menina vai começar a comer sopa e fruta! Xanaaam!
Adoro estas tretas.

Em casa, no dia a seguir, preparava-se o manjar como se de um banquete em miniatura se tratasse! Tudo cremoso, talvez até pouco espesso (o próximo sai melhor, prometo), dividido em caixinhas mini, colher de silicone a jeito, máquina de filmar preparada (eheheh, demais!), preparados para correr muito mal, para ficar tudo por comer, para levar com sopa na cara, ouvir choros e o diabo a quatro...? 3,2,1.
Ela abriu a boca, experimentou, pôs a língua de fora (ainda não sabe que o movimento é para ser ao contrário) e... tudo lá para dentro. Pedia mais. E mais rápido!
A sério? Isto está a acontecer? Então mas não era para correr mal? :)

Que coisa mais gostosa. Que orgulho (agora percebo tanta coisa que antes não percebia, xiiiii....). Parece ela que nasceu já a saber comer com colher, e a gostar de sopa e de fruta! Tirando o estado geral da roupa, dela, do pai e do meu, foi perfeito. Aliás, foi perfeito mesmo por isso.

Dona Anaaa?
Prepare os agriões que daqui a dois dias sai um belo puré verde.
Oláre. Cólicas, estou a jogar forte e feio. Não quero saber.