terça-feira, 29 de julho de 2014

Carta a quem vai cuidar da minha filha



Está em boa idade. Vai-lhe fazer bem, a ela e a si. Só custam os primeiros dias.
São coisas que se dizem, os ouvidos lá ouvem.
Quando nos preparamos para colocar a nossa bebé nos braços de outros alguém, queremos muito, muito, que o nosso nariz fique como o do lobo mau do Capuchinho Vermelho:
"Graaaande, para te poder cheirar melhor minha filha!".

Começam as despedidas silenciosas de um tempo de total dedicação, de um ano que já quase passou, e que foi tão intenso, tão rápido, irrepetível. Começam as saudades a provocar dores cá dentro. Deixa-me cheirar-te, anda cá, hoje adormeço-te ao colo, só porque sim.

A prever que o tempo vai ser curto na hora de te deixar, que não vai haver tempo para fazer uma adaptação gradual como desejaria, imagino uma carta para dar a ler a quem agora vai fazer o meu papel durante o dia. Não tem nada a ver com os questionários para melhor conhecer o bebé que fornecem na altura da inscrição. Nãããooo.

O que vos quero dizer é que é preciso ter cuidado com  a minha bebé.
Ela é mais doce que o Mel. É bem capaz de sorrir, com os seus três dentinhos de três tamanhos, enquanto pousa a bochecha no ombro e esconde o olhar maroto. Complicado.
Se fizerem o som de um cavalinho, começa a dar saltinhos, de braços esticados na vossa direcção: está a pedir que assumam o papel do animal, têm mesmo que saltar, enquanto ela se ri à gargalhada. É preciso saber lidar com isto.
Contem-lhe uma pequena história, imitem o som dos animais, toquem à campaínha no seu nariz e peçam para entrar, que ela bate palminhas e, às vezes, cuidado, fica tão, tão feliz, que é bem capaz de vos apertar as bochechas entre mãos, aproximar o narizinho e vos dar um beijinho. Lá está, estejam preparadas. 
Na hora das refeições não percam muito tempo entre colheres de sopa e fruta, que ela gosta de comer tudo seguidinho mas, se estiver algo pensativa, cantem-lhe "o meu chapéu tem três bicos" e quando fizer aquele sorriso rasgado, aproveitem e ponham outra colher lá para dentro. Técnica difícil esta, mas com o tempo, entram no ritmo.
Quando acordar dos seus soninhos e vos estender as mãos, não receiem, quer só dar-vos o maior e mais cheiroso abraço de todos.
Qualquer dúvida, telefonem-me. Sim, telefonem-me logo que eu... 
... Estou habituada a tanta doçura.

Assinado:
Mãe da Inês Mel.

Acabo de ver a minha caixa de email.
Ainda não é desta que consegui um trabalho.
Não sei se ponha o capuchinho vermelho e me esconda na floresta por uns minutos ou se me vista de lobo.
Escolho o lobo, mais uma vez. Preciso de um nariz graaandee, como o do lobo mau. Para inspirar muito fundo e voltar a expirar.

Life goes on.