domingo, 9 de março de 2014

Este concerto não é para novos

Quando há espaço para uma pessoa se mexer e escolher o lugar de onde quer ver o concerto, instala-se uma certa apreensão. E logo a seguir percebe-se que aquele concerto é diferente quando se começa a olhar com um bocadinho de atenção para a plateia circundante.

Espera lá, este concerto não é para novos! 

Olha aquele ali de fato e gravata! Olaré, isto promete! Então e este grisalho de óculos à Avô Cantigas aqui, pá? De lenço ao pescoço e cabedal. Upa, upa! E como ele se mexe! 
Eles chegam e é a loucura. Queremos a casinha-queremos os contentores-queremos o homem do leme-queremos a Maria...
Com mãos de veludo. Pronto, estou louca, queria muito esta. Negras como a noite, tu deste-me tudo, e eu partiiii.. Teu-neu-neu-neu-neeeuuu... Tudo o que é hormonas abaixo dos 40 começa a beijar-se. Estavam mesmo a pedi-las. Quem não beija, levanta os braços e fecha os olhos. Sonham com beijos, mas fazem-se de rijos.
Está um ambiente perfumado e não são os novos a espalhar o aroma. Este concerto não é para novos, já disse. O avó cantigas rockeiro vibra e dança como só ele se atreve. Há um concerto especial na cabeça dele mas os novos, os poucos que por ali andam, parecem não entender. Riem-se do avôzinho enquanto arriscam mexer o pezinho com mais pujança. E pouco depois param. Não têm estaleca para acompanhar a personagem, envergonhem-se.
Ai os contentores! Grafittis, com neónes, luzes, que luuuxooo! O palco transforma-se e, já todo poderoso, dá ainda mais poder à banda que, ó meu Deus, como é que eles ainda conseguem, com aquela idade pá? Estão cheios de poder. Cheínhos.
Alguns pais levaram os filhos. Ou os filhos levaram os pais, forçados, claro. Pior, alguns pais, já com filhos, estão a dançar, de copo na mão, como quem está num cocktail à beira da piscina, e um ar ligeiramente embriagado. E que estranho! Os pais também dançam? E bebem? Hum.
O ar está carregadíssimo meninos! Estamos todos a ficar com uma moca colectiva!

Resistimos o mais que pudémos: como estará a menina? Manda mensagem a ver se já dorme! Já? Sim, já. Só para saber se... está a chorar, ou só acordada, à nossa espera...

Quero trabalhar!Mas está tudo cheioooo, tudo feiooooo, tudo feeeioooo.... Ai porra, puseram o dedo na ferida.
Há quem, ao nosso lado, decida meditar, sentado no chão, com direito a dedinho indicador colado ao polegar e tudo. Olha que bem. Rapidamente inventamos-lhe um desgosto de amor e a necessidade de mastigar a dor daquela maneira, meio insólita, meio cómica. Olha a menina da Super Bock, como ela vem, desgraçadinha! Será que ainda sabe fazer trocos? Será que só bebe, em vez de vender? Como ela está, não vende mais nada hoje!

Já respondeu? Não? Hum, deve estar a dar luta, ó caraças! Estará a chorar há muito tempo? Manda mensagem ao teu pai, pode ser que responda! Só à meia-noite! Oh, chato! Está bem.

Telemóveis, muitoooosss. Fotografam o palco sem conseguir captar um quarto do que ali está. Mas é preciso publicar qualquer coisa no Facebook, anda! Vamos tirar uma selfie, vamos, vamos?
Apetecia-me escrever, aqui e agora, chego a casa e esqueço-me deste cenário.
Olha o avózinho, roda sobre o pés e tudo! Espectáculo. Os novos, poucos, deliciam-se e, secretamente, invejam a energia. Sim, os novos saltam, mas só no início. Sim, os novos batem palmas e gritam bem alto as letras - Vai ficaaaarrr tudooo bem, isso eu seeiiiii... -, mas baixam o tom pouco depois. Este concerto não é para novos com metade da pica dos velhos, essa é que essa! 

Já respondeu, está tudo bem, já dorme. Ufaaaa! Respiremos, então. Moche?
Too much.

Duas horas, rockeiros do caraças. Isto é que é. Já me doem os joelhos. E os rins. E os pés. Está calor. 
A vida vai torta, jamais se endireita, o azar persegue... Queremos todos gritar a letra, mostrar que a sabemos todinha, todinha. Os novos, os velhos.
Vão e voltam duas vezes ao palco. Mas que raça é esta, pá? Agradecem-nos a presença, o calor. Nós é que agradecemos tanta genuinidade, sem tiques de vedeta. 
Ai, meu amooooorreeee, o-que-eu-já-chorei-por-tii... Pra sempre, vou gostar de ti. Mete corações a arder no cenário grafitado em contentores. Que show de concerto.
Gritamos como podemos a pedir mais, alguns de nós já não sabem como é que isso se faz, mas resulta. Gritamos pronto. Ainda voltam para nos lembrar as saudades que já temos da nossa casinha.

Neste caso... não tanto da casinha, mas de quem nos espera na casinha.

O avô cantigas já põe o lenço na cabeça, qual velhinha com frio, pela manhã. Mas a guitarra imaginária continua a tocar freneticamente na perna, meus amigos, a coisa está para durar! Cansaço é para os novos. E este concerto não é para novos.

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